A gentileza de Zeca Baleiro e a má educação

Crônicas de FRANCISCO SOUTO NETO para o Jornal Centro Cívico

Jornal Centro Cívico – Ano 6 – Edição 54-55 – Agosto 2008

Digitalizar0004

A gentileza de Zeca Baleiro e a má educação

Francisco Souto Neto

    O cantor e compositor Zeca Baleiro, na seção “Última Palavra” da revista ISTOÉ de 9 de julho de 2008, escreveu uma crônica que tem a “gentileza” como tema. Tão interessante e sensível é o texto, que vou me dar a liberdade de transcrevê-lo em seu trecho inicial:

“Há alguns meses, estava eu numa lanchonete quando vi, do outro lado de uma pesada porta de vidro, um casal se aproximando com bandejas nas mãos. Vendo a sua dificuldade em abrir a porta com as mãos ocupadas, e vendo que ninguém ali no recinto esboçara qualquer atitude, saí da mesa em que estava sentado confortavelmente e puxei a porta para que os dois passassem. Passaram. E eu fiquei esperando um agradecimento qualquer, por tímido que fosse. Mas que nada!… Tempos depois, na recepção de um hotel, abri a porta para uma senhora que carregava sua mala com certo sacrifício e, de novo, nem um mísero ‘obrigado’ ouvi.

   Não que eu tenha feito tais favores com a intenção de ser laureado, com condecoração em praça pública, chave da cidade, comenda, quermesse e festa de sambódromo, mas penso que é muito alentador ouvir agradecimentos quando se presta um favor a alguém. Instaura-se uma atmosfera de ‘amistosidade’ que, ainda que por um momento, nos dá a esperança de viver num mundo mais gentil, menos bárbaro”.

A crônica de Zeca Baleiro serve, além do alerta, para demonstrar que o fenômeno que eu chamaria de falta de educação está grassando por toda parte. Muitas vezes, quando estou dirigindo meu carro, detenho-me para dar a vez ao pedestre, convidando-o a atravessar com o gesto de “passe, por favor”, ainda que a preferência fosse minha. O que nessas ocasiões vejo atravessar à minha frente é um rosto petrificado, como se meu gesto lhe tivesse sido indiferente. O mesmo ocorre quando dou a vez a outro motorista, que geralmente passa sem sequer esboçar um agradecimento.

Vamos além, para situações mais singelas. Por exemplo, ao empurrar um carrinho de compras dentro de um supermercado. Sempre que ocorre uma pequena batida entre os carrinhos, que é coisa corriqueira, da minha parte não me interessa saber se a culpa foi minha ou do outro e, imediatamente, peço desculpas pelo incidente. Na semana passada, durante as compras, meu carrinho e o de uma senhora colidiram. Pedi-lhe desculpas antes mesmo de perceber que a culpa fora inteiramente dela. Como resposta, ela passou por mim como se eu fosse invisível. Repeti: “Desculpe, senhora”. Nenhum efeito. Mais por curiosidade do que por qualquer outro motivo, articulei pela terceira vez a mesma frase, desta feita com uma pausa tão maior quanto maior a intensidade da voz. Só então, houve uma reação: “Tá”, disse ela. Estranha resposta!

O que ocorre é que a boa educação, aquela que aprendemos dos nossos pais, caiu em desuso. Os atuais genitores não mais ensinam seus filhos a dar  aquelas necessárias respostas às pessoas: “De nada, senhor!”. Essas crianças crescem, casam-se e – pobres dos seus futuros filhos! – ignorarão para sempre os mais básicos princípios da boa educação.

E quando cumprimentamos alguém – “bom dia!” –  que nos responde com apenas um gesto de cabeça? E as pessoas que cruzam as filas sem pedir licença para passar pela sua frente? Isto não é uma “questão cultural”, mas um retrocesso. Uma regressão evolutiva. Óbvia falta de educação. As pessoas não estão mais sabendo responder a um agradecimento, nem a um pedido de desculpas e também não sabem tomar essa iniciativa. Nesse triste ritmo de involução, imagino que em pouco tempo começarão a guinchar. É lastimável!

(Francisco Souto Neto – Agosto 2008)

Sobre francisco souto neto

ATENÇÃO! CUIDADO! EM 17.4.2021 FORAM FURTADOS MEUS DADOS PESSOAIS (FRANCISCO SOUTO NETO): CPF, IDENTIDADE, DADOS BANCÁRIOS. EU NÃO FAÇO EMPRÉSTIMOS NEM FINANCIO NADA. NÃO COMPRO A PRAZO E NÃO UTILIZO CARTÃO DE CRÉDITO. QUALQUER TENTATIVA DE CONTRATOS EM MEU NOME, FAVOR CHAMAR A POLÍCIA. O comendador Francisco Souto Neto trabalhou no extinto Banco do Estado do Paraná S.A. até aposentar-se, onde exerceu as funções de inspetor, assessor da diretoria, da presidência e para assuntos de cultura. Filho do jornalista e radialista Arary Souto (1908-1963) e Edith Barbosa Souto (1911-1997), é advogado, jornalista e crítico de arte, com colunas em jornais e revistas desde os anos 70. Tem integrado diretorias e conselhos consultivos e administrativos de diversas entidades, sobretudo de órgãos oficiais ligados à cultura paranaense. Foi-lhe outorgado o título de Comendador pela Associação Brasileira de Liderança (São Paulo). Recebeu o "Troféu Imprensa do Brasil 2014" e também o "Prêmio Excelência e Qualidade Brasil 2015" na área da Cultura, como “Destaque entre os melhores do Brasil”. Em novembro de 2016 recebeu mais uma vez o Troféu Imprensa Brasil, seguido do Prêmio Cidade de Curitiba, e ainda do Top of Mind Quality Gold. É membro da Academia de Letras José de Alencar, em Curitiba, onde ocupa a Cadeira Patronímica nº 26.
Esse post foi publicado em Sem categoria e marcado , , , , . Guardar link permanente.

4 respostas para A gentileza de Zeca Baleiro e a má educação

  1. antonif disse:

    Parabéns! sua mensagem traduz muito do que muito iremos ver, as pessoas estão esquecendo que gentileza faz parte de nós humanos. Não vivemos isso somente nas ruas, em casa também, é onde tudo começa, tem que ter limites até pra falta de educação…

  2. rodrigo o'brien de carvalho disse:

    Também sou apreciador das boas maneiras e da gentileza meu caro Francisco, mas confesso que acredito ser necessário entender o momento que estamos passando, que é um momento de transição, não de governo, mas de sociedade, e também um momento de reconstrução dessa mesma sociedade. Ao longo da nossa história como país, a educação prevalecia não como um aprendizado, mas sim como uma doutrinação. Os alunos não tinham respeito por seus professores, e sim medo. O professor não tinha como saber se os alunos estavam calados porque estavam interessados na aula ou por medo de uma reprimenda. Portanto, muitas coisas que nós fazíamos, era por simples reprodução, e não por entendimento do que estávamos fazendo. Agora, está se tentando construir uma sociedade que pensa, que toma responsabilidade por seus atos. Por isso acredito que haja esse momento em que tudo parece caótico em termos de educação, por que as pessoas que não tinham liberdade de construir suas identidades, hoje pelejam para fazê-lo, só que sem muita experiência.
    Claro que estou falando isso de forma generalizada, mas eu, como professor, vejo muita má educação nos meus alunos, mas ao mesmo tempo muita boa vontade de serem pessoas melhores. O que penso que posso fazer para ajudá-los é perdoá-los por sua ignorância, e conduzi-los ao caminho da boa educação. Enfim, o importante é que não desistamos Francisco, sempre vale a pena lutar pela educação, e por um mundo menos bárbaro.

    Grande abraço!

    • Caro Rodrigo O’Brien de Carvalho!
      Agradeço-lhe o interesse por minha crônica e pela gentileza de se comunicar comigo. Concordo com todas as suas assertivas. Achei também interessante você observar que o medo que os alunos sentiam dos seus professores era ainda superior ao próprio respeito. Meu ingresso ao “jardim da infância” ocorreu aos seis anos, e ao 1º ano do “curso primário” (tais eram as suas denominações) aos sete de idade. Minha primeira professora (do 1º ano do curso primário) era assustadora. Estávamos no ano de 1951, época em que professores batiam nos alunos, o que era tolerado e consentido por maciça maioria dos pais. Até escrevi uma crônica a respeito, https://soutoneto.wordpress.com/2014/12/02/professoras-da-minha-infancia-os-inocentes-e-as-bruxas/
      Nos quatro anos do curso ginasial ainda tive uma professora de Matemática que também praticava agressões físicas nos alunos, e ela marcou uma fase de transição, porque outros, como o professor de Português durante os mesmos quatro anos, eram “modernos”, interessantes e criativos, respeitavam os alunos… e a recíproca era verdadeira. Depois, nos três anos do curso científico, surgiram os mestres magníficos, como minha professora de Literatura Francesa e outros que marcaram positivamente aquela fase da minha vida.
      Eu sei que há atualmente uma inversão total de valores: maioria dos alunos parece ter perdido o respeito pelo professor, e tenho lido casos inaceitáveis e terríveis de agressões por alunos aos mestres.
      Tenho amigos professores e vejo que muitos deles estão conseguindo um retorno ao respeito mútuo, o que é necessário e maravilhoso, pois a profissão do educador é nobilíssima. Por isso sinto-me feliz ao encontrar professores idealistas e corretos como você, que agem e pensam como verdadeiros CONSTRUTORES DE PESSOAS. Meus parabéns. Desejo-lhe muito sucesso através da vida. Um grande abraço.

Deixe um comentário